A Importância de Equipes Multidisciplinares no Tratamento de Doenças Neurodegenerativas

Por Eliezer Santana Jr.   Introdução A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa progressiva que representa um grande desafio para os sistemas de saúde devido à sua complexidade...

junho 2025

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Por Eliezer Santana Jr.

 

Introdução

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa progressiva que representa um grande desafio para os sistemas de saúde devido à sua complexidade clínica e rápida evolução. A degeneração dos neurônios motores leva a uma perda progressiva da função muscular, afetando a mobilidade, a deglutição e, eventualmente, a respiração. Sem suporte adequado, a insuficiência respiratória pode ocorrer dentro de 3 a 5 anos após o início dos sintomas.1-3

Atualmente, o manejo da ELA* baseia-se em uma abordagem multidisciplinar que combina tratamento farmacológico e cuidados especializados para otimizar a qualidade de vida e prolongar a sobrevida dos pacientes. O riluzol tem sido, por décadas, a principal terapia medicamentosa disponível, atuando na redução da excitotoxicidade do glutamato, o que ajuda a minimizar danos neuronais.4

Porém em comparação com o riluzol, que aumenta a sobrevivência do doente, mais recentemente, a edaravona foi introduzida como um tratamento complementar, atuando como antioxidante e reduzindo o estresse oxidativo nas células nervosas — um fator relevante na progressão da doença. Estudos indicam que a edaravona pode retardar o declínio funcional, especialmente em pacientes nos estágios iniciais da ELA*.5

Além da terapia medicamentosa, evidências sugerem que o acompanhamento por equipes especializadas melhora significativamente a sobrevida dos pacientes. Essas clínicas oferecem uma abordagem coordenada, reunindo neurologistas, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros especializados, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e assistentes sociais, garantindo um suporte abrangente em diversas frentes da doença. Cada profissional desempenha um papel essencial no cuidado ao paciente com ELA*.10

Neurologistas especialistas realizam o diagnóstico e iniciam o tratamento farmacológico, além de gerenciar sintomas como espasticidade, salivação excessiva e dificuldades respiratórias. Enfermeiros especializados monitoram parâmetros clínicos ao longo do tratamento, como função pulmonar e muscular, peso e pontuações de escalas como a ALSFRS-R, que avalia a progressão da doença. Fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais auxiliam na manutenção da mobilidade e adaptação funcional, enquanto nutricionistas garantem um suporte alimentar adequado, essencial para evitar a perda de peso, um fator crítico na evolução da ELA*. Fonoaudiólogos trabalham no tratamento de dificuldades de comunicação e deglutição, enquanto assistentes sociais fornecem apoio emocional e auxiliam no acesso a recursos comunitários e cuidados de suporte.10

A abordagem multidisciplinar das clínicas especializadas facilita o acesso a tratamentos fundamentais, como ventilação não invasiva (NIV) e gastrostomia por endoscopia percutânea (PEG),4-7 ambos associados a uma melhora na sobrevida. No entanto, o mecanismo exato pelo qual esses centros especializados impactam positivamente os desfechos clínicos ainda não é totalmente compreendido. Alguns estudos sugerem que o monitoramento contínuo e o tratamento rápido de complicações, como infecções respiratórias e acúmulo de secreções pulmonares, desempenham um papel crucial. Além disso, o suporte psicológico oferecido por equipes experientes pode influenciar positivamente a progressão da doença, visto que o estresse emocional está associado à piora clínica.10

Dessa forma, foi visto que o enquanto o riluzol e a edaravona atuam diretamente na progressão da doença, o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar melhora significativamente o manejo global da ELA*, proporcionando um tratamento mais ágil, suporte multidisciplinar e melhor qualidade de vida aos pacientes.10

A amostra do estudo de Aridegbe et al. englobou 417 pacientes com diagnóstico confirmado de ELA*, subdivididos em dois grupos: 162 atendidos em CNG e 255 em CMD. O estudo comparou dados de pacientes atendidos em clínicas neurológicas gerais (CNG) entre 1998 e 2002 e em clínicas multidisciplinares (CMD) entre 2006 e 2010, observando a relação entre o atendimento especializado com equipe multidisciplinar e a sobrevida de pacientes com ELA*.10

Os principais resultados apontaram que pacientes atendidos em CMD tiveram uma mediana de sobrevida melhorada, 36,8 meses, em comparação com 28,0 meses em CNG (HR 0.58, p < 0.001) (Figura 1). A sobrevida a partir do diagnóstico foi de 19 meses em CMD versus 11 meses em CNG.10

Figura 1 – Sobrevida de pacientes com DNM desde o início dos sintomas que compareceram a uma clínica de neurologia geral (linha pontilhada) (n=162) ou a uma clínica multidisciplinar (linha contínua) (n-255). Adaptado de: Aridegbe T, et al. Amyotroph Lateral Scler Frontotemporal Degener. 2013 Jan;14(1):13-9.

Pode-se destacar também um maior uso de intervenções entre os dois grupos avaliados. Por exemplo, o uso de medicamentos foi significativamente maior na CMD (89%) em comparação à CNG (55%). Enquanto NIV foi utilizada em 29% dos pacientes da CMD versus 5% da CNG. Além disso, foi visto o uso mais frequente de gastrostomia por endoscopia pericutânea (PEG) em CMDs (26% contra 19%) (tabela 1). Os pacientes eram revisados a cada 8 a 10 semanas, permitindo uma resposta mais rápida a complicações como dificuldade respiratória e nutrição inadequada.10

Tabela 1 – Aridegbe T, et al. Amyotroph Lateral Scler Frontotemporal Degener. 2013 Jan;14(1):13-9.

Os dados apresentados neste estudo indicam que o atendimento por uma equipe multidisciplinar está associado a uma sobrevida mais longa, tanto desde o início dos sintomas quanto desde o diagnóstico. Em média, os pacientes que receberam cuidados multidisciplinares viveram nove meses a mais desde o início dos sintomas e oito meses a mais a partir do diagnóstico, em comparação com aqueles tratados em uma clínica de neurologia geral.10

A pesquisa de Aridegbe et al. reforça essa tendência ao demonstrar que os pacientes que tiveram acompanhamento por uma equipe especializada apresentaram uma redução relativa de 49% na mortalidade (HR 0.51, IC 95%: 0.41–0.64), refletindo uma melhora considerável no prognóstico. Esse impacto foi particularmente significativo em pacientes com fraqueza bulbar no início da doença, um subgrupo que, normalmente, apresenta pior evolução clínica.10

O estudo também identificou os principais preditores de sobrevida desde o início dos sintomas. Entre eles, destacam-se a idade do paciente, o tempo até o diagnóstico e o local de início da doença. Para aqueles que sobreviveram cinco anos ou mais, o fator mais determinante foi o tempo decorrido até o diagnóstico.

Além disso, verificou-se que os pacientes acompanhados por uma equipe multidisciplinar tinham maior probabilidade de utilizar medicamentos e NIV. Essa tendência pode estar associada à implementação de diretrizes, como as recomendações do NICE para o uso de riluzol em 2001, e ao aumento do uso de NIV após a publicação de estudos relevantes sobre ventilação em doenças do neurônio motor.

Esses achados sugerem que, além do maior acesso a intervenções terapêuticas, o suporte coordenado da equipe multidisciplinar exerce um impacto positivo na sobrevida dos pacientes. Com a introdução da edaravona como terapia complementar na ELA*, torna-se essencial que as equipes especializadas avaliem continuamente a eficácia da combinação com riluzol, buscando um tratamento personalizado e otimizado para cada paciente.

O atendimento por equipes especializadas em ELA* está fortemente associado a uma melhora significativa na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes. O estudo de Aridegbe et al. destaca que essa abordagem não apenas prolonga a vida, mas também garante um manejo mais abrangente e eficaz dos desafios impostos pelas doenças neurodegenerativas.

Além disso, a introdução de novas terapias, como a edaravona, reforça a relevância dessas clínicas ao proporcionar um acompanhamento contínuo, rigoroso e personalizado, permitindo intervenções precoces e ajustes terapêuticos mais eficazes. Dessa forma, a implementação e expansão das abordagens multidisciplinares devem ser vistas como um pilar essencial no tratamento da ELA*, garantindo não apenas maior longevidade, mas também melhores condições de cuidado e suporte para os pacientes ao longo da progressão da doença.

Referências

  1. Mitchell JD, Borasio GD. Amyotrophic lateral sclerosis. Lancet. 2007;369:2031 – 41.
  2. Shaw PJ. Motor neuron disease. Br Med J. 1999;318:1118–21.
  3. Oliveira AS, Pereira RD. Amyotrophic lateral sclerosis (ALS): three letters that change the people ’ s life. Forever. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67:750–82.
  4. Blyufer A, Lhamo S, Tam C, Tariq I, Thavornwatanayong T, Mahajan SS. Riluzole: A neuroprotective drug with potential as a novel anti-cancer agent (Review). Int J Oncol. 2021;59(5):95.
  5. Neupane P, Thada P, Singh P, et al. Investigating Edaravone Use for Management of Amyotrophic Lateral Sclerosis (ALS): A Narrative Review. Cureus. 2013; 15(1): e33746.
  6. Traynor BJ, Alexander M, Corr B, Frost E, Hardiman O. Effect of a multidisciplinary amyotrophic lateral sclerosis (ALS) clinic on ALS survival: a population based study, 1996–2000. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2003; 74:1258–61.
  7. Wood-Allum C, Shaw PJ. Motor neuron disease: a practical update on diagnosis and management. Clin Med. 2010;10: 252–8.
  8. Chio A, Bottacchi E, Buffa C, Mutani R, Mora G, PARALS. Positive effects of tertiary centres for amyotrophic lateral sclerosis on outcome and use of hospital facilities. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2006;77:948–50.
  9. Qureshi M, Schoenfeld DA, Paliwal Y, Shui A, Cudkowicz ME. The natural history of ALS is changing: improved survival. Amyotroph Lateral Scler. 2009;10: 324–31.
  10. Aridegbe T., et al. The natural history of motor neuron disease: Assessing the impact of specialist care, Amyotrophic Lateral Sclerosis and Frontotemporal Degeneration. 2013; 14:1, 13-19.